Mosteiro de Odivelas: onde o Gótico encontra a Lenda e a História


A poucos quilómetros do centro de Lisboa, no coração da cidade de Odivelas, ergue-se um dos mais fascinantes monumentos religiosos de Portugal: o Mosteiro de São Dinis e São Bernardo, mais conhecido por Mosteiro de Odivelas. Esta joia da arquitetura gótica portuguesa não é apenas um espaço de culto ou um testemunho da religiosidade medieval — é também palco de lendas, abrigo de figuras históricas e espelho da evolução artística nacional ao longo dos séculos.

mosteiro de odivelas (imagem Wikipédia)

Uma lenda com garras de urso

Como tantos lugares marcantes da história portuguesa, também o Mosteiro de Odivelas nasceu envolto numa aura de mistério e milagre. Conta-se que, por volta de 1295, o rei D. Dinis, enquanto caçava nas florestas da região, foi surpreendido por um urso. Perante o perigo iminente, o monarca invocou São Dinis e São Luís, prometendo fundar um mosteiro caso escapasse com vida. E assim foi: com a coragem que a lenda lhe atribui, D. Dinis cravou um punhal no coração do animal e sobreviveu. Fiel ao voto, ordenou a construção de um mosteiro que se prolongaria por cerca de uma década.

Arquitectura: entre o rigor cisterciense e o esplendor barroco

Originalmente concebido como mosteiro cisterciense feminino, o edifício foi orientado de forma pouco comum para Norte, devido à proximidade da Ribeira de Odivelas. Esta ordem religiosa, fiel ao espírito de austeridade e contemplação, deixou uma marca arquitetónica clara: simplicidade decorativa, formas góticas sóbrias e grande funcionalidade dos espaços.

Apesar das alterações ao longo dos séculos — particularmente nos períodos maneirista e barroco — a igreja ainda conserva a cabeceira gótica, com estrutura tripartida, abóbadas de arestas e contrafortes exteriores que acentuam a verticalidade. Do antigo claustro gótico restam partes integradas no atual conjunto, que inclui dois claustros de época seiscentista, revestidos com belíssimos azulejos de tapete.

vista aérea do mosteiro (imagem SIPA foto 00512897)

Já no interior da igreja, destaca-se a capela-mor com retábulo maneirista, e os coros da comunidade: o inferior, ligado por escadas ao corredor do comungatório, substituiu o coro medieval que outrora se localizava ao centro da nave.

O túmulo de um rei-poeta

O ponto mais emotivo do Mosteiro é, sem dúvida, o túmulo de D. Dinis, fundador do convento, conhecido também como o “Rei Lavrador” e patrono das letras. A sua estátua jacente, que repousa com solenidade gótica, é considerada um dos retratos mais antigos de um monarca português e foi já referida no seu testamento de 1322. Nas proximidades encontra-se também o túmulo da sua filha, perpetuando a ligação da dinastia ao lugar.

Túmulo de D. Dinis (foto SIPA 00512901)
Túmulo de D. Dinis

Espaços de memória e beleza

Além da igreja e dos claustros, o visitante poderá maravilhar-se com a cozinha, revestida por azulejos do século XVIII de figura avulsa, e com o refeitório, decorado com painéis de azulejos azuis e brancos do século XVII. O teto deste espaço é particularmente impressionante: um conjunto de painéis de madeira pintada com cenas bíblicas, que conjugam espiritualidade e arte com uma mestria incomum.

Refeitório do Mosteiro de Odivelas (foto SIPA 00149942)
Refeitório

As portas manuelinas do claustro e uma fonte renascentista testemunham ainda a transição artística ao longo dos séculos, num mosteiro que foi também palácio real e que integrava a célebre casa da Madre Paula, figura histórica ligada à corte de D. João V.

Um centro de poder feminino

Dotado de inúmeras propriedades por D. Dinis, o Mosteiro de Odivelas tornou-se um dos mais poderosos senhorios religiosos do reino. Ao longo dos séculos, acolheu monjas provenientes da alta aristocracia portuguesa, mulheres letradas que fizeram do mosteiro um centro de cultura e espiritualidade. Juntamente com Almoster, foi uma das últimas grandes fundações cistercienses femininas em Portugal.

Um legado que perdura

Após a extinção das ordens religiosas em 1834, o Mosteiro conheceu novos usos. Um dos mais marcantes foi a instalação do Instituto de Odivelas, colégio feminino que funcionou até 2015, mantendo viva a tradição de educação e formação que sempre marcou este espaço.

Hoje, o Mosteiro de Odivelas permanece como um símbolo da história portuguesa, testemunho de fé, arte e poder. Caminhar pelos seus claustros é ouvir o eco de séculos de vida monástica, de decisões régias e de silenciosas orações. É, sem dúvida, uma visita obrigatória para quem deseja compreender a alma de Portugal — feita de pedra, devoção e lenda.


???? Localização: Largo D. Dinis, Odivelas (Lat: 38.79129 Lng: -9.182809)
???? Fundação: 1295
???? Estilos arquitectónicos: Gótico dionisino, Maneirismo, Barroco, Ecletismo
???? Destaque: Túmulo de D. Dinis, claustros cistercienses, painéis de azulejo e refeitório pintado

Se gostaste deste artigo, partilha-o com quem aprecia o património nacional. E da próxima vez que estiveres por Lisboa, não deixes de visitar este lugar onde a história se escreveu em pedra — com um punhal, um rei e uma promessa.

Referências

  1. Direção-Geral do Património Cultural (DGPC)Mosteiro de São Dinis e São Bernardo de Odivelas
  2. Câmara Municipal de OdivelasInformações históricas e turísticas sobre o Mosteiro de Odivelas.
  3. SIPAFicha do Monumento Mosteiro de Odivelas / Mosteiro de São Dinis e São Bernardo / Instituto de Odivelas.
  4. Jornal do Exército, nº 482, Fevereiro de 2000
  5. Turismo de Lisboa – Informações sobre monumentos da região de Lisboa.
  6. Estudos sobre a Arte Gótica em Portugal – Diversos autores. Consultado para contextualização arquitetónica.

Miguel Pinto

Sou o editor principal do site Cidades Portuguesas. Adoro explorar todos os pormenores que deram origem à riqueza cultural das povoações portuguesas. Neste site pretendo dar a conhecer as cidades através dos seus monumentos históricos, das suas igrejas, das suas gentes.

Artigos Recentes