A poucos quilómetros do centro de Lisboa, no coração da cidade de Odivelas, ergue-se um dos mais fascinantes monumentos religiosos de Portugal: o Mosteiro de São Dinis e São Bernardo, mais conhecido por Mosteiro de Odivelas. Esta joia da arquitetura gótica portuguesa não é apenas um espaço de culto ou um testemunho da religiosidade medieval — é também palco de lendas, abrigo de figuras históricas e espelho da evolução artística nacional ao longo dos séculos.
Uma lenda com garras de urso
Como tantos lugares marcantes da história portuguesa, também o Mosteiro de Odivelas nasceu envolto numa aura de mistério e milagre. Conta-se que, por volta de 1295, o rei D. Dinis, enquanto caçava nas florestas da região, foi surpreendido por um urso. Perante o perigo iminente, o monarca invocou São Dinis e São Luís, prometendo fundar um mosteiro caso escapasse com vida. E assim foi: com a coragem que a lenda lhe atribui, D. Dinis cravou um punhal no coração do animal e sobreviveu. Fiel ao voto, ordenou a construção de um mosteiro que se prolongaria por cerca de uma década.
Arquitectura: entre o rigor cisterciense e o esplendor barroco
Originalmente concebido como mosteiro cisterciense feminino, o edifício foi orientado de forma pouco comum para Norte, devido à proximidade da Ribeira de Odivelas. Esta ordem religiosa, fiel ao espírito de austeridade e contemplação, deixou uma marca arquitetónica clara: simplicidade decorativa, formas góticas sóbrias e grande funcionalidade dos espaços.
Apesar das alterações ao longo dos séculos — particularmente nos períodos maneirista e barroco — a igreja ainda conserva a cabeceira gótica, com estrutura tripartida, abóbadas de arestas e contrafortes exteriores que acentuam a verticalidade. Do antigo claustro gótico restam partes integradas no atual conjunto, que inclui dois claustros de época seiscentista, revestidos com belíssimos azulejos de tapete.
Já no interior da igreja, destaca-se a capela-mor com retábulo maneirista, e os coros da comunidade: o inferior, ligado por escadas ao corredor do comungatório, substituiu o coro medieval que outrora se localizava ao centro da nave.
O túmulo de um rei-poeta
O ponto mais emotivo do Mosteiro é, sem dúvida, o túmulo de D. Dinis, fundador do convento, conhecido também como o “Rei Lavrador” e patrono das letras. A sua estátua jacente, que repousa com solenidade gótica, é considerada um dos retratos mais antigos de um monarca português e foi já referida no seu testamento de 1322. Nas proximidades encontra-se também o túmulo da sua filha, perpetuando a ligação da dinastia ao lugar.
Espaços de memória e beleza
Além da igreja e dos claustros, o visitante poderá maravilhar-se com a cozinha, revestida por azulejos do século XVIII de figura avulsa, e com o refeitório, decorado com painéis de azulejos azuis e brancos do século XVII. O teto deste espaço é particularmente impressionante: um conjunto de painéis de madeira pintada com cenas bíblicas, que conjugam espiritualidade e arte com uma mestria incomum.
As portas manuelinas do claustro e uma fonte renascentista testemunham ainda a transição artística ao longo dos séculos, num mosteiro que foi também palácio real e que integrava a célebre casa da Madre Paula, figura histórica ligada à corte de D. João V.
Um centro de poder feminino
Dotado de inúmeras propriedades por D. Dinis, o Mosteiro de Odivelas tornou-se um dos mais poderosos senhorios religiosos do reino. Ao longo dos séculos, acolheu monjas provenientes da alta aristocracia portuguesa, mulheres letradas que fizeram do mosteiro um centro de cultura e espiritualidade. Juntamente com Almoster, foi uma das últimas grandes fundações cistercienses femininas em Portugal.
Um legado que perdura
Após a extinção das ordens religiosas em 1834, o Mosteiro conheceu novos usos. Um dos mais marcantes foi a instalação do Instituto de Odivelas, colégio feminino que funcionou até 2015, mantendo viva a tradição de educação e formação que sempre marcou este espaço.
Hoje, o Mosteiro de Odivelas permanece como um símbolo da história portuguesa, testemunho de fé, arte e poder. Caminhar pelos seus claustros é ouvir o eco de séculos de vida monástica, de decisões régias e de silenciosas orações. É, sem dúvida, uma visita obrigatória para quem deseja compreender a alma de Portugal — feita de pedra, devoção e lenda.
???? Localização: Largo D. Dinis, Odivelas (Lat: 38.79129 Lng: -9.182809)
???? Fundação: 1295
???? Estilos arquitectónicos: Gótico dionisino, Maneirismo, Barroco, Ecletismo
???? Destaque: Túmulo de D. Dinis, claustros cistercienses, painéis de azulejo e refeitório pintado
Se gostaste deste artigo, partilha-o com quem aprecia o património nacional. E da próxima vez que estiveres por Lisboa, não deixes de visitar este lugar onde a história se escreveu em pedra — com um punhal, um rei e uma promessa.
Referências
- Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) – Mosteiro de São Dinis e São Bernardo de Odivelas
- Câmara Municipal de Odivelas – Informações históricas e turísticas sobre o Mosteiro de Odivelas.
- SIPA – Ficha do Monumento Mosteiro de Odivelas / Mosteiro de São Dinis e São Bernardo / Instituto de Odivelas.
- Jornal do Exército, nº 482, Fevereiro de 2000
- Turismo de Lisboa – Informações sobre monumentos da região de Lisboa.
- Estudos sobre a Arte Gótica em Portugal – Diversos autores. Consultado para contextualização arquitetónica.
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